quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Djibla e o seu blogue de parede



Djibla é o fotógrafo mais conhecido de São Vicente, sobretudo pelo famoso mural de publicações logo à entrada de sua loja, na rua São João, no centro do Mindelo. Um autêntico blogue de parede, com tudo a que público tem direito, inclusive comentários e sugestões. 

 
As manchetes estão mais viradas para o sensacionalismo, com notícias de acidentes e assassinatos. No entanto, há o lado há mais cómico, com registos das situações caricatas e bizarras que vão tendo lugar em São Vicente, em Cabo Verde e no mundo. Coisas que normalmente nenhum dos jornais nacionais se ocupa. Os casos mais frequentes são as fotos de animais deformados à nascença que, quase sempre, consegue em primeira mão.

Mas sempre se pode saber mais. Na rubrica “Variedades” o leitor pode inteirar-se de informações sobre a saúde, conselhos médicos, entre outros assuntos. Também não faltam artigos de opinião e curiosidades. O certo é que quem passa pela montra do Djibla nunca fica indiferente, eleita por muitos como um “lugar de passagem obrigatória”.


“Reparei que o povo, muitas vezes, não tem acesso a certas informações. E, como eu tenho esse acesso, através de jornais que compro ou de recortes de jornais que muitos emigrantes me trazem de fora, coloco o que interessa na montra para que todos possam ficar a par dos acontecimentos”, conta Djibla, orgulhoso da sua vitrina.

Quem é Djibla?














O seu nome verdadeiro é Daniel Pinto Mascarenhas. Este “mnine de Soncente” nasceu na ilha do Maio, a 29 Fevereiro de 1940, filho de Idalina Pinto Mascarenhas, natural de São Vicente, e de António St. Aubyn Mascarenhas, de São Nicolau. O pai era funcionário aduaneiro e a mãe doméstica. Aos quatro anos foram viver para São Vicente e aqui tornou-se adulto. Aqui casou, teve filhos, sendo de há muito uma figura carismática da ilha. Djibla conta que já andou meio mundo, mas que não troca São Vicente por nenhum outro lugar. “Às seis da manhã estou a tomar o meu banho de mar. Onde é que posso isso fazer lá fora?” questiona.
A paixão pela fotografia

Fotógrafo profissional, neste momento dos mais antigos de São Vicente e até mesmo de Cabo Verde, a fotografia, conforme confessa, “é uma paixão”. Mais do que isso, “um prazer tremendo, uma coisa que encanta qualquer pessoa. A todos os lugares onde eu ia chamavam-me para tirar fotografias. Depois fui ‘obrigado’ a tirar fotografias de documentos, reportagens, casamentos, festivais, funerais”.

Com 14 anos Djibla já andava a brincar de fotógrafo com uma máquina pequenina, da qual já não se recorda como lhe foi parar às mãos. No então único de liceu de São Vicente, no período colonial, era ele quem fazia as reportagens dos grandes encontros, as festas e as novidades que aparecessem. “Nessa época as fotos eram oferecidas de graça às pessoas, mas as dificuldades obrigaram-me depois a vendê-las”, e assim, de paixão, a fotografia tornou-se também no “ganha pão” deste hoje empresário.

Entretanto, em 1961, Djibla partiu para Angola, a serviço militar. Durante o tempo que esteve na tropa era o fotógrafo do seu quartel, na infantaria de Luanda. Ganhou muito dinheiro e quando regressou decidiu montar o seu estúdio. Isto em 1967.
Uma galeria escondida
São poucos aqueles que já tiveram a oportunidade de conhecer a cave da sua loja, o cantinho onde Djibla guarda as recordações e os registos das mais altas personalidades e acontecimentos que marcaram São Vicente. É o caso da visita de Marcello Caetano, Baltasar Lopes da Silva a discursar da varanda da Câmara Municipal por altura do 25 de Abril, os comícios que se seguiram, a independência nacional, a chegada do barco “Independência”, os bailes que se faziam nesse tempo e mais um número interminável de acontecimentos. Afinal, qual testemunha ocular da história, Djibla e a sua máquina não poderiam deixar de estar presentes nesses e muitos outros acontecimentos que se seguiram.

Precisamente por isso, mais do que um depositário de imagens, este cabo-verdiano, que também chegou a ser deputado nacional pelo MpD, é também um memorialista. Gosta de relembrar e contar, para quem quiser ouvi-lo, as histórias e os nomes que existem por detrás de todos aqueles negativos e registos. Possui vários livros de registo onde tem anotadas todas as pessoas e acontecimentos que já passaram pela lente da sua máquina.
Felizmente, neste momento, está a trabalhar na digitalização de todo o seu acervo de imagens, para um dia criar um arquivo nacional ou da Cidade do Mindelo, conforme for o caso. 

Questionado se não estaria a pensar em criar um site, responde que, por não possuir muitos conhecimentos em informática e pela falta de tempo, prefere não pensar no assunto. “Muita gente já me fez a mesma pergunta”, acrescenta.
As modernices

Hoje, num mundo de máquinas digitais, onde quem quiser é fotógrafo, confessa que os negócios já não são como antigamente. “Já quase que não há impressão de fotografias. Antigamente, muita gente vinha cá, tínhamos os rolos e ficávamos até tarde a trabalhar. Houve uma época, por exemplo, em que muitos chineses que atracavam no Porto Grande vinham ter comigo. Às vezes, com trinta rolos, davam-me um prazo limitado para lhes entregar”.

Mesmo com os tempos difíceis, Djibla diz que vai continuar a trabalhar na sua arte. Afinal, mais do que uma profissão, a fotografia é uma paixão que nem o tempo nem o avanço tecnológico conseguiram sufocar nele.


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