segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Quem Sabe Um Dia


















(Monólogo a três)

- Apaga a luz.
Olha para o espelho.

O que é que vês?


-Vejo imagens em laços que, gradualmente, se afastam da porta traseira da casa, mesmo atrás de mim.


-Aproxima-te mais.

 Diz-me agora, o que é que vês?

-No canto esquerdo, a imagem de um chapéu. Parece de um homem que se quer esconder. Pede-me para não o denunciar, mas não consigo. Até parece que perdi meus movimentos. Mas também, o que é que querias que eu visse, se não há luz!?


-Toca no espelho e diz-me o que é que sentes?


-Sinto frio a cobrir-me a espinha. Parece gelado a superfície. Deve ser da madrugada.

-Lembras-te desta canção? Faz-me lembrar de ti.


Quando a noite dorme e o silêncio parece consternar-me. Olho para o cinzento do céu. Apetece-me toca-lo. Parece-me da mesma cor que tu!

E a noite parece que não passa. As velas já se apagaram todas e não sobrou nenhuma. Fico aqui a espera. Ouço o vento que passa de mansinho pela janela. Oiço cada pingo de água que cai sobre o telhado. Até posso sentir as nuvens em metamorfose la em cima! Parece que o dia está a erguer-se. Olho então para o espelho. Vejo as curvas de uma mulher, corcovada sobre o chão molhado. Olhos fixos no reflexo da água. Ao mínimo detalhe, parece-me que se dá conta. Deve estar a espera de alguma coisa ou de alguém! Por isso esse ar impregnado, fixo nos pormenores sonoros. Parece estar pronta para sair dali a correr ao mínimo sinal que lhe chegue. A porta entreaberta. Janela escancarada. Num salão grotesco e sem mobília. Um ambiente perfeito, não fossem as velas terem apagado.


De repente, olha para o espelho, com um ar cansado, esgotado: olhos escavados, respiração que aumenta a cada movimento. Parece que passou a noite nisso, nesses delírios entre seu corpo nu e o espelho. Como que a imitar os sons, em sinopse, ergue-se do chão. Olha para o espelho e reconhece-se a si própria. Sente cada batida do seu corpo e saboreia cada pensamento, cada sensação como se fossem os últimos. A vida, a partir dali já não seria mais a mesma, nem as coisas teriam as mesmas cores e nem os sons poderiam ser iguais. Tinha que atravessar aquela porta e sair dali sem olhar para trás. Passou a manhã toda as voltas pelos cantos do salão, observando os contornos do dia que, da janela, ia mudando de cor. Chegou a hora, mas não podia abandonar nada, porque aquilo tudo lhe pertencia! Não podia sair do salão sem sua alma. Preferiu la ficar, ao som dos dias e das noites a passarem pela janela. Quem sabe um dia. Quem sabe um dia.

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